QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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sábado, 7 de dezembro de 2013

As múltiplas faces de Eva- I

Eva, imagem da mulher, tentadora, feiticeira, serpente, peste, caruncho, prurido, veneno, chama , embriaguês, raiz do mal, renovação de todos os vícios” 1098.”  DUBY, Georges, PERROT, Michelle. História das Mulheres- A idade Média . Ed. Afrontamento, Porto, 1990.

Eu tinha cerca de oito anos. Estávamos minha irmã, Teresa, e minha dindinha Lygia. Já faz muito tempo e não me recordo bem do que se tratava. Estávamos em um auditório, e no palco eram chamadas mulheres que recebiam  algum tipo de diploma. Não sei por que assistíamos à cerimônia. Eu me entediava, mas de repente comecei a prestar atenção na conversa entre Teresa e minha didinha. Teresa perguntava cada vez que uma mulher subia ao palco: “E esta?” Ao que dindinha respondia, rindo : “É ona”  Ou por vezes: “Esta não.” Curiosa quis saber o que era aquilo, ao que minha madrinha respondeu:”Ona quer dizer solteirona!” Ou seja, era uma mulher que não havia casado, e  que não havia casado por ninguém a escolhera. Francamente, não sei o que pensei daquilo. Provavelmente, nada. Ou, então,  quem sabe, rememorei o que ouvia sempre, e pensava: esta é moça, apesar de ser velhusca, esta é mulher, apesar de ser jovem. Estranho, aquele estranho mundo de Eva. E mais estranho ainda porque jamais ouvi dizer que um homem fosse rapaz porque fosse solteiro, e tampouco que fosse homem caso fosse casado. Aos oito anos, para mim, minha mãe era velha, casada e mulher. Meu pai, velho, casado e homem. E assim  devia ser.
Anos mais tarde, já na adolescência, vivendo meu primeiro, e talvez único grande amor, não pensei mais na moça/mulher nem na velha/moça. Não me sentia enquadrada em nenhuma destas categorias, mas já sentindo os primeiros desejos, jamais realizados. No fundo, éramos herdeiras de uma geração que nos deixara profundas marcas. Mas como era gostoso aquele despertar! Ainda continuava a ouvir bobagens , mas nunca dei muita bola, eu estava feliz e isto é que contava.
Mulheres da geração de minha mãe, de minha irmã, haviam evoluído pouco, desde os tempos de nossas ancestrais. Casavam-se virgens, não aspiravam a nada mais além da maternidade, deixavam-se engordar, tornavam-se matronas ainda jovens. Tenho fotos de minha mãe aos vinte e poucos anos, mãe de dois filhos, gorda sem nenhuma sedução, ela que havia sido uma sedutora morena. Todas aspiravam por um marido-pai , que as poupasse de qualquer decisão, que as deixasse fora do esforço de pensar, que as transformasse em seres incapazes, que as vezes as traísse, mas que continuasse no comando da nau. Elas no lar, encontravam as amigas, tomavam lanches (e iam engordando), procriavam. Tinham uma fidelidade canina ao seu senhor.  As que fugiam a este modelo eram execradas, mas, infelizmente, em geral, trocavam um senhor por outro.
Eram mulheres que nunca aspiraram à liberdade, à sua própria identidade. Viviam à sombra, como aquelas mulheres de Atenas de que fala Chico, “ que não têm gosto ou vontade, nem defeitos, nem qualidades. Têm medo apenas. Não têm sonhos, só têm presságios.....” Genial, Chico, que descreveu tão lindamente as mulheres de Atenas que pouco se diferenciavam de nossas ancestrais. Filhas de Eva, pecadoras por natureza, tinham que expiar seus pecados na infidelidade ou na autoridade do macho. Devo dizer que meu pai não tinha o perfil do infiel, mas do senhor. O modelo da mulher-mãe, mulher-esposa, somente este tinha valor. Mas minhas duas avós, que haviam fugido a este modelo, pagaram caro pelo “desvio”.
As mulheres intelectuais, profissionais, eram temidas e, sobretudo em países periféricos como o Brasil, não eram “escolhidas” e  em geral, ficavam solteironas . E a interpretação era de que se tornaram intelectuais, profissionais, justo porque não haviam sido escolhidas!! Eu observava as amigas de minha irmã, que era bem mais velha do que eu, e as achava  chatíssimas, caretas.  Até que se ouviu falar de uma certa intelectual francesa chamada Simone de Beauvoir. Seu livro “O Segundo Sexo” havia sido lançado na França em 1947, mas tenho certeza que quase ninguém no Brasil prestou atenção a ele. As filhas de Eva, então, nem se diga! Simone era companheira do filósofo Jean- Paul Sartre, e com ele vivia uma relação aberta, o amor sem censura. Barbarizou a própria França, mas foi ela quem começou a expor ao mundo o que significava SER MULHER.


Um comentário:

Eloah disse...

Belo texto! Vim aqui para ler teus belos textos e desejar-te, que o natal e o novo ano te presenteie com caminhos perfeitos, pedaços de céu, feixes de luz interior, traços de emoção e como prelúdio a magia da fé e da esperança para fazer morada na tua alma e trazer felicidade e eternas aspirações. Forte abraço Eloah