QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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terça-feira, 21 de outubro de 2014

Paris antes da festa- I

Conta-se que um dia o rei Philippe Auguste, no século 13, estava em seu palácio, a beira do Sena, onde atualmente situa-se o Palácio da Justiça. Chegou perto de uma janela, para ver correr o rio, e justo neste momento passavam algumas carroças revolvendo o lixo de toda espécie que recobria o chão. Desprendeu-se então um tal fedor que sua majestade  desmaiou. Foi então que o rei resolveu agrupar o “prévôt” – uma espécie de Prefeito - e os burgueses, para que, juntos, pavimentassem as ruas de Paris, que, nesse tempo, praticamente se resumia à Ile de La Cité, no centro do rio.  A pavimentação foi feita com uma espécie de rocha triturada, que os franceses chamam de “grès”.
Seu neto, Luís IX – São Luís de  França, apesar de haver mandado muita gente para a fogueira – passando à noite por uma rua, recebeu em sua capa bordada com ouro um “pot de nuit” repleto de excrementos. O autor do crime era um rapaz que dobrava a noite estudando. Como Saint Louis era santo perdoou o assustado estudante.
Mas apesar do “grès”, Paris, que já se expandia pela “rive gauche” e “droite”, continou imunda. Todos dejetos eram jogados nas ruas, porcos circulavam e o mal cheiro, evidentemente, persistia. No  século  XVII,  o poeta Boileau, em “ Les embarras de Paris”, fala das dificuldades em caminhar na cidade , onde multidões se espremem nas ruas estreitas, brigam, carroças passam, cavalos escorregam e lançam lama para todo lado. Finalmente, nosso personagem sujo de lama, amarrotado, sem saber que caminho tomar, foge para onde pode.
É verdade que bastante coisa havia sido feita ao longo dos séculos, mas a cidade ainda era muito medieval. No século XVIII, muita gente, incluindo Voltaire, se preocupava com uma urbanização conveniente. Dizia Restif de La Bretonne, escritor erótico do século XVIII,  que , de tão estreitas, “... eram ruas onde duas pessoas não podiam passar sem se beijar.” Obras magníficas foram construídas ao longo dos séculos, mas tratava-se sempre de embelezamentos pontuais. Nada que integrasse o tecido urbano. Ruas estreitas e prédios altos, uns colados aos outros, onde o sol jamais penetrava e a humidade era permanente. O ambiente insalubre, com esgoto e casas de alimentos misturando- se, em nada se pareciam com as grandes praças e os grandes “hôtels”.  Não havia nem sombra de um plano urbano, a tal ponto que o “plano” de Paris era comparado a uma porcelana “craquelée”.
Durante a Monarquia de Julho, que vai de 1830 a 1848, o Prefeito , Rambuteau (nome de uma estação de metrô), tenta algumas melhorias, sobretudo no que diz respeito ao saneamento básico. A epidemia de cólera de 1832 havia matado cerca de cinco por cento da população em certos “arrondissements” , que poderíamos chamar de bairros. Famílias pobres viviam amontoadas em um quarto , sem banheiro. As latrinas, em geral no último andar,  transbordavam de fezes, e o serviço de limpeza era a tal ponto precário que os dejetos se derravam pelas escadas. Pelo chão todo tipo de detrito, restos de animais mortos, de alimentos, e muitas outras coisas. E sempre o mal cheiro dos corpos, das roupas, das latrinas, enfim, tudo irrespirável. E havia proprietários que transformaram seus cômodos em dormitórios onde miseráveis se amontoavam para passar a noite. “Em um cômodo no quarto andar, tendo apenas cinco metros quadrados – escrevia a Doutor Henry Bayard – encontrei 23 indivíduos, homens e crianças, deitados de qualquer jeito sobre cinco leitos. O ar era de tal forma infecto que senti náuseas.....” Aliás, note-se que até alguns anos atrás,  dormitórios eram alugados para emigrantes miseráveis, que dormiam sentados com os braços apoiados sobre alguma coisa, não sei exatamente o que, e que pela manhã eram despertados quando uma corda que segurava o apoio era retirada.
Mas, uma vez derrubada o Monarquia de Louis Philippe em 1848, estabelece-se uma 2ª. República, já que a 1ª. , aquela  nascida na Revolução Francesa, havia sido tragada por Napoleão Bonaparte, que alguns anos depois se proclamara Imperador. É nesta 2ª. República que surge um personagem singular, de quem vale a pena falar mais tarde. Trata-se de Louis Napoléon Bonaparte, sobrinho do primeiro. Candidata-se a Presidência e vence, entre outros, o célebre poeta romântico, Lamartine. Mas em 1852, o Presidente, dá um golpe e torna-se Imperador - Napoleão III - , já que seu primo que seria Napoleão II morrera na Áustria, ainda adolescente. Apesar de golpista, com uma história pregressa que arrepiar, mostra-se um grande estadista. É o primeiro governante a, de fato, transformar Paris. Para isso chama um desconhecido Georges Haussmann, nomeado Prefeito, e transformado em Barão.
A respeito do Imperador e Haussmann, dizia-se, conjugavam-se a esperteza e o mau gosto. Mas a verdade é que a Paris que vemos hoje jamais existiria sem a atuação destes dois. Ajudados pelos irmãos Pereire – judeus sefarditas – , grandes banqueiros, Napoleão III e Haussmann conseguiram a mais bela transformação que uma cidade já sofreu. Para isso, Haussmann não exitou em colocar abaixo todo o centro da cidade, onde se aglomeravam as mais fétidas ruas. Expulsou operários para um exílio nos arredores e a medida que a cidade  se embelezava, os mais pobres iam sendo expulsos e cada vez para mais longe. Napoleão I havia começado a Rue de Rivoli, Haussmann foi até o fim, bordejando o Louvre. No lugar das antigas ruelas, grandes avenidas “boulevards”, dizia que tinha a obsessão da linha reta. Mas suas grandes perspectivas nos encantam. Sob sua influência criou-se o estilo “haussmannien” , de prédios amplos, com cerca de cinco andares, com belas sacadas. É bom lembrar que que as largas avenidas tinham também uma função estratégica: impedir as barricadas, que haviam sido arma poderosa nas Revoluções de 30 e de 48.
Mas e a vida dos pobres, no seu exílio cada vez mais longínquo? E dos que chegam sem para trabalhar nas demolições e construções? Assim, de exílio em exílio, a cada nova demolição e renovação, vão cada vez mais se afastando de seus lugares de trabalho. Especuladores constroem com os restos das demolições, moradias irrespiráveis, em ruelas tão, ou mais estreitas do que aquelas destruídas. E de um momento para outro pode haver novos deslocamentos, para locais ainda mais afastados. Operários chegam a andar três ou quatro horas para chegar ao trabalho. A vida dos pobres torna-se cada vês mais dura!
Ainda há uma segunda parte do trabalho, já que teria ficado longo demais para um blog. Logo postarei “Paris antes da festa II”.  


2 comentários:

Nazaré Laroca disse...

Muito bom, Maria Lúcia!
Que riqueza de texto!
Aguardo a continuação!
Beijos,
Nazaré

Blogdopaulo disse...

Uma aula de História! Dá vontade de ir lá conferir . Ótimo!