QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



Seguidores

sexta-feira, 3 de outubro de 2014

Paris é uma festa Os anos loucos - 1920



1920. A Guerra acabara. Numa noite fria de janeiro, Amedeo Modigliani, o belo pintor e escultor judeo-italiano, acaba de morrer. Tuberculoso. Na mais negra miséria. Viera morar em Paris em 1906, e nunca sua genialidade fora reconhecida. Sempre perseguido pelo egocentrismo e vaidade de Picasso. Modi, como o chamavam seus amigos, era belíssimo, talentosíssimo e, pela lógica, teria de ter um belo futuro, mas afundara no alcoolismo e nas drogas. Sua companheira, que abandonara a confortável  vida burguesa, Jeanne Hébuterne, que já lhe dera uma filha, olhou o rosto imóvel do homem que amava de todo seu ser, não derramou uma lágrima. Grávida de nove meses, voltou à pobre “mansarde” onde moravam e lançou-se pela janela. O que valia a vida sem Modi?
Mas, por um desses azares do destino, neste ano em que o mundo perdia Modi, estouravam os prazeres em uma Paris cuja vida intelectual e artística jamais havia morrido. Paris que, anos depois, numa continuação daquela Primeira Guerra, que todos pensavam que não se repetiria, não se deixou sucumbir às intenções de Joseph Goebbels, Ministro da Propaganda Nazista,  que sentia profunda inveja da cultura francesa. Já em 1913, no Théatre de l´Elysées, a “Sagração de Primavera”, obra do genial Igor Stravinski, com coreografia de Michel Foukine, e apresentando o maior bailarino de todos os tempos, Vaslav Nijinski, Paris estava na vanguarda. É verdade que a apresentação sofrera a maior vaia de que se tem notícia na história da arte cênica. Mas na década de 20, isto já era passado
Paris é uma festa. Com dólar barato, para lá convergiram muitos intelectuais americanos, como os romancistas Ernest Hemingway, Scott Fitzgerald e John dos Passos, o fotógrafo Man Ray, cuja amante, Kiki de Montparnasse , de corpo escultural, ele utilizou de maneira genial. Para lá também foram o poeta Erza Pound, o irlandês James Joyce. O pintor judeo-russo, Marc Chagall já emigrara anos antes e se tornara amigo de talentos, como Modgiani. Com a revolução russa, em 1917, a emigração de outros gênios foi inevitável. Afinal, como conviver com a arte de Estado? Para lá foram Igor Stravinski e Sergei Prokovief. E também Sergei Diaghilev, criador e diretor dos "Ballets Russes", o coreográfo Michel Foukine e Vaslav Nijinski, que desenvolveu esquizofrenia alguns anos mais tarde. Morreu em um manicômio em Londres ,em 1950. Isto sem esquecer as sensacionais  apresentações de Josephine Baker,a escultural negra americana
E havia também muitos intelectuais franceses. Jean Cocteau, poeta, escritor, dramaturgo, o jovem Raymond Radiguet , morto aos vinte e três anos de febre tifóide. E Eric Satie, grande compositor e pianista, Fernand Léger, professor de Tarsila do Amaral,  Georges Braque, um dos fundadores do Cubismo.  E Maurice Utrillo, o pintor de Montmartre, cuja mãe,  a bela Suzanne Valadon, também pintora, fora amante de Satie, de Toulouse-Lautrec, dentre outros artistas, pintores e músicos. Gabrielle ou Coco Chanel revolucionava a indumentária das mulheres. Abolia os longos cabelos, lançava tailleurs de linhas retas que colocavam em destaque a estrutura fundamental do corpo feminino. Foi mulher de muitos amantes, dentre os quais Stravinski, amou e foi amada. Quebrou tabus. Escritores, pintores e escultores freqüentavam o apartamento, de paredes cobertas quadros, onde viviam Gertrude Stein, romancista e poetisa americana, e sua companheira Alice Toklas.
Após a Revolução de 1917, membros da nobreza russa haviam fugido para Paris, e tornou-se chique ter uma governanta duquesa ou condessa. Muitos condes e duques tornaram-se mordomos ou choferes de taxis. Eram pessoas de vasta cultura, muita “finesse d´esprit”, e serviam uma burguesia endinheirada que, na maioria das vezes, carecia desses itens.
Os artistas e intelectuais, que até o início da Guerra, haviam se reunido em Montmartre, agora emigravam para Montparnasse. Seus locais preferidos de encontro eram Le Dôme, La Coupole, La Rotonde. Todos estes sobreviveram até nossos dias. Na Coupole, ainda podemos observar nas colunas pinturas de Braque, Picasso, Léger e outros, que, muitas vezes, trocavam arte por um belo jantar. A vida corria bela, ainda que o povo sofresse os efeitos do conflito. Mas ninguém pensava na miséria que devastava o povo alemão, que era obrigado a pagar todos os prejuízos à França e à Inglaterra. A chamada Républica de Weimar , que fora instalada após a Grande Guerra, estava em frangalhos. A inflação era a maior que já se verificou em todos os tempos. Erich Maria Remarque, escritor alemão, conta no seu livro, “ O obelisco negro”, que as pessoas acordavam de madrugada para comprar o pão, pois ao meio-dia estaria mais caro. Ninguém se lembrou que a miséria é um terreno fértil para o surgimento de lideres carismáticos que prometem a redenção. Não se conhecia um simples sargento da Grande Guerra, que, obcecado pela vingança, iludindo a todos, fosse capaz de promover tamanha barbárie com o apoio de um povo culto. Não  se poderia imaginar: a Grande Guerra não acabara.
Mas Paris resistiu. E mesmo sob o domínio nazista a cultura francesa não cedeu graças aos esforços de intelectuais como Cocteau, Sartre, Simone de Beauvoir, Jean-Louis Barrault, Picasso, que passou a ocupação em Paris, Albert Camus e tantos outros. E em 1944, libertada da ocupação nazista, Paris retomou toda sua luz. Até.......não sabemos quando.

Quero oferecer este texto a meu falecido irmão, Sérgio, que me ensinou desde criança o prazer da leitura, da admiração da pintura e da boa música. Sérgio tinha uma inteligência superior. Lembro-me de que quando moramos em Paris, foi assistir à “Sagração da Primavera”, na Salle Pleyel, regida pelo próprio Stravinski, já velho e morando em Nova Iorque. Ao seu lado, sentou-se Jean Cocteau, cuja obra também admirava. Chegou em casa delirante de alegria. Aquele fora um dia de glória em sua vida.
Obrigada, meu irmão . Descanse em paz

4 comentários:

Nazaré Laroca disse...

Querida Maria Lúcia, você nos deu banho de cultura. Saudades de nossos longos bate-papos em sua casa. Um beijo!

Nazaré Laroca disse...
Este comentário foi removido pelo autor.
Blogdopaulo disse...

Um passeio pela luminosa cidade. Dá vontade de passar uns tempos por lá, só para respirar o ar...

Maria Cristina disse...

Muito obrigada pelo lindo texto. E nos emociona também! beijo.