QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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segunda-feira, 14 de abril de 2008

ECOS DO PASSADO – II

Minha avó, na verdade, não calculou mal o passo que dava ao casar-se com um desconhecido. Ela simplesmente deixou-se levar pela paixão. Conceição, como Ana de Assis, aquela que viveu a tragédia do assassinato de Euclides da Cunha, são paradigmas reais de mulheres, que homens geniais, como Dostoiesky e Flaubert, profundos conhecedores da alma feminina, e também dos descaminhos românticos por onde eram encaminhadas, descreveram nas histórias de Anna Karenina e Emma Bovary. Eram mulheres alimentadas pelo sonho romântico, do príncipe encantado, do amor sem limites, sem razão, sem tréguas. Creio que a história de minha avó vale, sobretudo, como ilustração de um tempo, de uma mentalidade, onde não havia lugar para mulheres que quisessem ser alguma coisa mais do que mães de família.
Dizem que era uma mulher inteligente, sedutora, capaz de levar uma conversa com os amigos masculinos, que não gostava das mulheres que freqüentavam a sociedade tacanha de Uruguaiana. Gostava de ler, de música, de divertir-se. E era mal vista. E ainda foi mais mal vista pelas cunhadas, que não achavam conveniente seu comportamento. Mas ela pouco se importava. Tudo isto me contou uma velha prima, que havia ouvido de sua mãe, uma das cunhadas de Conceição. Foi mãe jovem, provavelmente dedicada, mas não ao ponto que se exigia de uma mulher bem comportada. Ela gostava de sua vida, SUA vida, com seus livros e suas músicas suas conversas inconvenientes para uma senhora de sua condição social. Encontrou no seu ator, possivelmente garboso, aquele príncipe de seus romances, e apaixonou-se.
Mas foi em Porto Alegre, depois da volta do Rio de Janeiro, onde fora tentar recomeçar sua história de paixão, que ela se deu conta do que realmente lhe acontecera. A filha que tivera com seu homem já havia morrido, e de forma trágica – falo dela em “Morte na aurora” - o dinheiro, depois da morte da mãe, tornava-se escasso, por mau gerenciamento dos irmãos. Sua herança fora desperdiçada, e seus filhos a censuravam. Na necessidade foi pianista em bares e restaurantes, ela que havia se apresentado ainda bem jovem no famoso teatro São Pedro, em Porto Alegre, um dos mais belos do Brasil.
No entanto, ainda conservava antigas amizades. E, como era mulher inteligente e interessante, sua presença era valorizada, ainda que ninguém lhe oferecesse trabalho, o que era considerado ultrajante para uma mulher de sua classe. Contava minha mãe que, nestas ocasiões, colocava as poucas jóias que ainda lhe restavam, o seu melhor vestido, arrumava-se como uma dama, que realmente era, e ia ao encontro dos velhos amigos do passado, que, ainda que conhecessem sua história, tinham por ela grande carinho. Assim, encaminhou seus dois filhos menores, meu pai e meu tio Armando, para a carreira militar, onde tiveram belas trajetórias. E disto falo depois. O filho mais velho, que sempre detestou o padrasto, tornou-se funcionário público, tendo tido uma vida extremamente atribulada. Onofre, o segundo, era deficiente mental.
Aos poucos a vida, ou a morte, foi-lhe tirando os velhos amigos, tornou-se descuidada com a aparência. Sua situação financeira era desastrosa e creio que os filhos a ajudavam. Vendeu o casarão da família, que até pouco tempo ainda estava de pé, no bairro da Glória em Porto Alegre. Passava os dias lendo e tocando piano, meio indiferente a tudo.
Nunca mais havia tido notícias de seu homem, até que, muitos anos depois, veio a saber, não sei como, que ele morrera no Rio, totalmente arruinado. E fora enterrado com indigente.
Minha avó morreu aos cinqüenta e nove anos, de câncer.
Mas havia vivido mais de cem. E viva as mulheres que não se conformaram com sua condição subalterna de fêmeas. Pagaram caro pelo seu “pecado”, mas é graças a elas que hoje somos mulheres livres. Capazes de escolher nossos caminhos e nossos homens. Mas hoje, acima de tudo, somos conscientes, de que não vale a paixão sem a independência econômica. A única que nos permite a verdadeira liberdade e, quem sabe, a paixão.

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