QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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terça-feira, 8 de março de 2011

Começar de novo

Este é o nome de uma antiga série de televisão, com Regina Braga e Denis Carvalho. Lembro-me que contava a história de uma mulher que recomeçava a vida após o divórcio, com uma filha pequena e todos os problemas do dia-a-dia, que teria que enfrentar sozinha. Pois 2011 foi para mim um recomeço de fato, o que não chegou a acontecer em 2010. E não foi somente minha separação de Ricardo, depois de tantos anos, que marcou este recomeço. Recomecei partindo de muito antes. Talvez desde meus primórdios.  Sinto como se, há muitos anos, houvesse plantado em mim uma semente, que só agora germina e começa a dar frutos. Não lamento nada. Vivi felicidade e dor, como ocorre com todos. E vivi intensamente. E agora, quando constato que estou sozinha, que dependo exclusivamente de mim, despojo-me deste passado longínquo, que vai muito além de Ricardo, e recomeço, cheia de vida e esperança, quando muitos já consideram tudo pronto.
Minha mãe, marcada por sua condição de “filha natural”, numa sociedade cruel e hipócrita, onde sofreu todo tipo de discriminação, pobreza e perdas, contou-me desde cedo sua história e eu, tenho consciência disso, a incorporei. A morte trágica, provavelmente por suicídio, de sua única irmã, aos dezessete anos. A morte de Maria, irmã de meu pai por parte de mãe, de peste bubônica, aos 12 anos. Era sua amiga, e minha mãe jamais pode esquecer esta tragédia. Agora, quero recomeçar, construir um futuro, de onde estejam ausentes lembranças e dramas que não são meus. Acerca deste passado escrevi um livro, que na verdade não pretendo publicar, que intitulei “Tudo que me contaram”. Nele relato histórias de família, que me foram passadas por meus pais e por velhos parentes.
Foi depois da saída de Ricardo de minha vida que, percorrendo a casa, constatei, perplexa, que minha presença ali era quase nula. Minha individualidade havia se diluído ao longo dos anos, de muitos anos, em outras presenças, em lembranças de um passado, que muitas vezes eu desconhecia. Fotos de minha tia Aracy, repetidas sobre um móvel e numa parede. Velhas almofadas de casamento, que mandei emoldurar, enfeitavam as paredes de meu quarto. E um fantástico medalhão do casamento de meus bisavós, de 1869, pendurado sobre a cama.  E ainda outras coisas, que eu jamais poderia cogitar em retirar, pois as havia identificado às  pessoas amadas que haviam partido. E desta profusão de recordações, numa tentativa de resgate, Ricardo e eu estávamos ausentes. Foi então que  percebi que meu recomeçar não tinha tanto a ver com a nossa separação e que ia muito além, o que o tornaria mais difícil.
Decidida, comecei pelos velhos livros, papéis, cartas, fotos, etc. O que já contei anteriormente. Depois me voltei para a decoração. Refiz tudo “clean”, com papel de parede de cor neutra, cobrindo igualmente todas as paredes. Cortinas claras. Percebi que minhas idéias acerca da decoração transitavam pelo que já passou. Guardei cuidadosamente as velhas fotos, as velhas almofadas, mas deixei o medalhão que pretendo colocar em algum lugar do quarto. Despojei minha casa. Dei roupas que não considero mais adequadas para mim. Esvaziei armários. Tive a coragem, o que me parecia difícil, de dizer adeus às velhas lembranças visíveis e guardá-las no meu coração. Inesquecíveis, coloquei numa parede fotos de meus pais e irmãos. E porta-retratos com fotos de meus netos. Presente. Passei uma tarde inteira, mais de três horas, posando num estúdio para um fantástico fotógrafo. Tirou cento e oitenta e sete fotos, das quais escolhi dezoito. Mas ainda há muita coisa que gostaria de escolher. Cheguei em casa exausta, mas ainda saí, feliz,  para passear com meus bichinhos. Entrei de corpo e alma na sua brincadeira, porque é brincando que ele trabalha. Aos poucos contei-lhe um pouco de minha vida. Pedi-lhe que mostrasse uma mulher madura, vivida, mas ainda em boa forma e, acima de tudo, feliz. E que não apagasse as marcas do tempo. E ainda que as fotos fossem elegantes, mas com uma pitadinha de sensualidade. Captou exatamente o que eu queria.
Amigos me aconselham a viajar, mas não é disso que preciso agora. Quero reconstruir, e essa reconstrução externa e interna exige minha presença aqui. O passado, o meu passado, jamais esquecerei. Não posso e não quero. Mas ser capaz de repensar minha vida me parece maravilhoso. Distribui fotos minhas pela casa, incluindo dois pôsteres. Vaidade, narcisismo? Talvez um pequeno pecado. Mas, nesta altura da vida, depois de tantos quilômetros percorridos, afinal tenho direito a alguns pequenos e, quem sabe, maiores pecados?

3 comentários:

Ricardo Vélez-Rodríguez disse...

Gostei, comentario realista, maduro, feminino, feliz. Parabéns!

Vitoria disse...

Minha querida amiga, que texto cheio de vida, esperança, e beleza. Muitos beijos e felicidades.

Guacira Maciel disse...

Olá, querida!
Faz um tempinho que não venho aqui, nem você me visita. Mas cada coisa a seu tempo. Voltei e fiquei surpresa com as mudanças, muito mesmo (desculpa). Só enfatizo, porque eu, ingenuamente, pensei - até me separar - que existia um amor eterno (não o meu, sem dúvida). O término do meu há um ano, me despedaçou e é por isso que estou aqui escrevendo. Para falar da força que vejo em suas palavras, que sinto explodirem como as primeiras flores da primavera, plenas do vigor extraído da fertilidade de uma terra revigorada...
O seu texto, como sempre, diz tudo na medida certa; cheio de lucidez, amor, maturidade e, principalmente, esperança.
Ainda estou a caminho...aprendendo...
Beijo. Paz e felicidade pra você e pró Ricardo, que, sem dúvida, mereceu o seu amor(e agora o seu carinho).
Guacira.