QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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sexta-feira, 12 de outubro de 2012

Paris: a festa continuou- II


E Paris retomou sua vida, o mais normal possível, ainda que muitos franceses tivessem optado por deixar a cidade, ou a França. Na capital, pessoas comuns, intelectuais, artistas, tinham que sobreviver, ainda que a presença do invasor estivesse em toda parte. E como frisa a autor, a história da cultura francesa havia influenciado o mundo e era o maior trunfo da França diante da Alemanha nazista. Paris sempre fora uma cidade cosmopolita, onde a vida agitada, que misturava cultura e lazer, a diferenciava das outras capitais. Aos nazistas interessava que os franceses continuassem se divertindo, ou “chafurdando na própria decadência.” Assim cabarés e bordéis tinham entre os alemães seus principais frequentadores.  Ali conviviam com franceses. A cidade tinha bandeiras com a suástica por toda parte, mas, apesar disso, a velha Paris continuava fazendo sua vida encantadora. No entanto, Goebbels – o, infelizmente, genial homem da propaganda e da informação nazistas - tinha outra preocupação: era preciso oprimir a França, aviltá-la, fazendo com que sua incomensurável vida cultural, vinda dos seus tempos mais antigos, tivesse uma estagnação. O complexo de inferioridade dos alemães vinha de muito longe, dos tempos em que a França já produzia Arte de todo tipo, enquanto eles ainda permaneciam bárbaros. Então, de agora em diante, Paris não mais irradiaria luzes por todo mundo. A França deveria se calar. Em uma instrução à embaixada alemã em Paris, dizia Goebbels : “ O resultado de nossa luta vitoriosa será o fim da supremacia cultural da França, na Europa e no resto do mundo.......Toda forma de auxílio ou tolerância à propaganda cultural francesa será considerada crime contra a nação.”   Em contrapartida, seria dada à prioridade à cultura alemã. Um Departamento de Propaganda, com complicada estrutura foi criado com esta finalidade. Disseminar a cultura alemã não era difícil, já que os dirigentes dos órgãos de propaganda franceses eram fascistas convictos, ou queriam agradar o invasor. Alguns oficiais alemães, profundos conhecedores e admiradores da cultura francesa, fluentes na língua, vieram a Paris a fim de criar com franceses fascistas um  Groupe de Collaboration, cujo nome já indica a finalidade. A verdade é que os homens enviados a Paris para este fim eram de grande gabarito intelectual. Orquestras alemãs apresentaram concertos, muitas vezes regidos por Von Karajan,  seguidos de recepções a que compareciam intelectuais franceses. Ao fim de algum tempo, Goebbels resolveu convidar à Alemanha artistas e intelectuais franceses.
No entanto, muitos franceses, diretores de cinema, atores, além de intelectuais judeus, haviam deixado a França. E a perseguição anti-semita continuava implacável. Os judeus ricos abandonavam suas mansões e migravam para a Inglaterra ou Estados Unidos, os pobres, fugidos da invasão do Leste europeu, serviram de gado humano para os famigerados campos de concentração. Nas mansões abandonadas a rapina era imediata. Simone de Beauvoir, professora, conta que foi obrigada a assinar um documento afirmando sob juramento que não tinham nenhuma ascendência judaica nem ligação com a maçonaria. No governo fantoche de Vichy também acontecia uma terrível perseguição anti-semita. Judeus foram expulsos do serviço público e, se não fugiam, eram presos e, posteriormente, enviados a campos de trabalhos ou de concentração. E muitos franceses tiveram que exercer trabalho escravo na Alemanha.
Mas já prevendo a guerra, o governo francês, em 1939, havia esvaziado o Museu do Louvre, retirando de suas molduras pinturas famosas e levando-as para um castelo na região do Val de Loire. No Museu do Jeu de Paume, onde se expunha obras dos mestres franceses impressionistas,  muitas telas foram roubadas por Goering, pessoalmente, que vinha a Paris escolher para si ou para Hitler. Enquanto isto, intelectuais franceses continuaram a produzir, numa atitude que poderia parecer dúbia, já que tinham que passar pela censura alemã. Cocteau, Satre, Guitry, por exemplo, exibiram peças, onde uma muito significativa parte da platéia era constituída de oficiais alemães. Artistas, como Picasso, Matisse, Bonnard, continuaram em Paris produzindo suas obras, indiferentes ao drama político francês. Conta-se que um militar alemão ao visitar o estúdio de Picasso, foi presenteado com um cartão postal de sua obra Guernica, que retrata a destruição da cidade basca pela aviação alemã, com autorização do ditador Francisco Franco. Pergunta-lhe o oficial, após observar o postal. “Você fez isso”? Ao que Picasso responde: “ Não, você fez!”
E em Paris, continuava a festa. A matéria-prima que faltava para a moda foi substituída por outra. As mulheres continuaram elegantes, e, com os grandes costureiros, usaram a imaginação. Sem haver material para a fabricação de meias, que naquele tempos tinha a famosa costura na parte posterior, imaginou-se marcá-las com canetas. Chapéus eram feitos de todos os tipos de materiais, inclusive papel. Mas se a comida era escassa, os cabarés continuavam múltiplos e cheios. Muitas francesas tornaram-se amantes de oficiais alemães, sendo que a grande musa do cinema, Arletty, aparecia oficialmente com seu amante alemão. Ao ser presa e interrogada após a liberação de Paris disse uma frase que ficou famosa: “Se meu coração é francês, minha bunda é internacional.” Foi liberada e viveu até os noventa e quatro anos. Outras, sem seu status tiveram a cabeça raspada e forma obrigadas a desfilar nuas. Mas, enquanto Arletty dava seu “cul” ao alemão, a resistência lutava, matava e morria. E de Londres, o General De Gaulle incitava os franceses a defender a pátria.
Em agosto de 1944, as tropas aliadas entram em Paris. Alemães são presos , assim como os franceses colaboracionistas. Alguns se suicidam como Drieu La Rochelle, no entanto amigo de muitos resistentes. Robert Brasillach, jovem e extraordinário intelectual é fuzilado em 1945, apesar dos pedidos de clemência vindos de todos os lados. Pierre Laval que migrara do famigerado stalinismo para o também famigerado fascismo, Primeiro Ministro de Vichy, é fuzilado em 1945.  O General Pétain, primeiramente condenado a morte, teve sua pena convertida em prisão perpétua. Morreu em 1951, totalmente senil, aos noventa e cinco anos. E muitos outros foram fuzilados ou relegados ao ostracismo, como Louis Ferdinand de Céline, grande escritor, somente reabilitado após sua morte em 1962.
E a vida na cidade luz continuou. As marcas da guerra ainda estão presentes em muros com placas assinalando que ali morreu um jovem resistente. França e Alemanha se reconciliaram e como dizia uma amiga um dia desses: “Fumar, ser comunista ou nazista, está completamente fora de moda.” O inimigo agora é outro.

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