QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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segunda-feira, 4 de março de 2024

 O Terror e os " sans culottes"

Minha relação com a Revolução Francesa vem de muitos anos. Desde os meus 10 ou 11 anos, quando morava na França, mas precisamente em Paris, e fui assistir, com minha mãe e minha irmã, um filme intitulado "Marie Antoniette". Fazia o papel da Rainha , a lindíssima Michele Morgan e um ator irlandês , Richard Todd, o  de Axel de Fersen, Embaixador da Suécia, que parece ter sido o grande amor da Rainha. A verdade é que ele se preocupava com o futuro da Família Real, tendo sido o preparador da célebre fuga interceptada na cidade de Varennes. Apaixonei-me por ele, quando num baile de máscaras, se conhecem, ele massageando o pé que a Rainha havia torcido, ajoelhado diante dela. De repente, ambos tiram  as máscaras e mostram seus belíssimos olhos azuis! Que emoção! Coup de foudre! Em 1989, durante a comemoração do bicentenário da Revolução e da Inconfidência, o assisti novamente, em Belo Horizonte. E a mulher adulta, vivida, com tantas experiências, sentiu emoção semelhante à da criança de 10 ou 11 anos!

Desde aquele longínquo dia de minha infância, já fui monarquista, jacobina, dependendo do momento de minha vida e de minhas ideias. Hoje, faço uma consideração mais racional deste fantástico movimento de massas, o primeiro da História da mundo, e me coloco em situação diferente. Depois, das reações adversas do Clero e da Nobreza, o chamado Terceiro Estado (Thiers Etat) abandona os Estados Gerais e passa a se denominar Assembleia Nacional Constituinte, e seus membros deputados. Para impedir a reunião, Luís XVI manda fechar o local onde deveriam se reunir, mas eles se reúnem em outra sala e juram não se separar até que tenha havido a elaboração de uma Constituição. 

Mas estes deputados também divergem. Pertencem todos ao Terceiro Estado, mas há os ricos burgueses, chamados Girondinos, e que, em sua maioria, representavam a Gironda, uma região situada no sudoeste da França,  que pretendem uma Monarquia Constitucional e os Jacobinos, radicais que pretendem o final da monarquia. Girondinos tomam assento à direita e Jacobinos, nome tomado de um café, antigo convento, por eles frequentado, à esquerda, donde veio a dominação direita e esquerda.  Aliás, a notar que o último Monarca absolutista foi o Tzar Nicolau II, cujo reinado teve fim em 1918, sendo toda a família dizimada. A notar igualmente que este é o segundo movimento de massas, e que cerca de um século e meio separam estes dois marcos, que mudaram a História do mundo, sendo que o legado de um deles já desapareceu. Foi, portanto, da Revolução Francesa o mais importante legado. A Declaração dos Direitos Humanos e do Cidadão, direitos válidos em qualquer tempo e em qualquer país. Artigo primeiro : "Todos os  homens  nascem  livres e iguais em direito. As destinações sociais só pode fundamentar-se na utilidade  comum..." Esta Declaração teve inspiração na Guerra de Independência Americana, nas ideias Iluministas, e sobretudo no filósofo inglês John Locke  que falava dos Direitos Naturais, aqueles que já nascem com o indivíduo. Esta Declaração tem inspirado todas as demais, inclusive a de 1948, no Pós-Guerra. No entanto, esta notável Declaração colocava de lado as mulheres e a escravatura nas colônias. A escravatura mexia nos interesses dos ricos burgueses, geralmente Girondinos, proprietários de terras nas colônias. Quanto às mulheres, que haviam participado ativamente da deposição do Rei, que haviam marchado de Paris até Versalhes, obrigando a família real a exilar-se no Palácio das Tulherias (posteriormente incendiado pela Comuna de Paris no século XIX), foram esquecidas. Eram quase todas vendedoras de peixes nos mercados de Paris. Este "esquecimento" mostra a importância que estes revolucionários davam às mulheres. 

É aí que surge, e não podemos esquecê-la, a atriz, dramaturga, jornalista e ativista, Olympe de Gouges, uma das mais notáveis feministas de todos os tempos, pois pagou com a vida sua audácia. Em 1791, publica a "Declaração dos direitos dos Direitos da Mulher e da Cidadã " , contrapondo-se à Declaração anterior que falava nos Direitos dos Homens e dos Cidadãos. Reivindicava também uma educação de qualidade para as mulheres.  Segundo consta, chegou a mandar uma cópia à Rainha Maria Antonieta. Além disto, foi uma ardente defensora do fim da escravidão. Mas, por incrível que pareça, Olympe pareceu revolucionária demais para os próprios revolucionários, era preciso que as coisas fossem postas nos seus devidos lugares. Aliás, é bom lembrar não haver na Assembleia Constituinte nenhuma mulher. EGALITÉ, LIBERTÉ, FRATERNITÉ, afinal não era para todos. Olympe subiu ao cadafalso no dia 3 de novembro de 1793 Ao subir, ela teria dito: "Se uma mulher tem direito de subir ao cadafalso , deve também ter o direito de subir à tribuna." 

Voltando um pouco no tempo, não se pode esquecer o mês de setembro de 1792, marcado por uma série de  execuções sumárias nas prisões de Paris. Nobres, homens, mulheres, criminosos comuns, todos foram alcançados pela fúria dos  chamados "sans culottes". Uma das melhores amigas de Maria Antonieta, a Princesa de Lamballe, que estava numa das prisões invadidas, teve seu corpo dilacerado e profanado, e sua cabeça enfiada numa estaca. Os revoltosos dirigiram-se, então, até a Prisão do Templo, onde estava presa a família real, e mostraram, por uma janela, a cabeça decepada da mulher. Consta que Maria Antonieta desmaiou, outros dizem que se encontrava em outro aposento. Também, alguns historiadores afirmam que o massacre foi comandado por Georges Danton, que terminou seus dias na guilhotina, condenado por seu antigo amigo Maximilien Robespierre. 

O Terror       

Em 1793, o poder  está com os Jacobinos com o apoio dos chamados "sans culottes", ou seja, aqueles que não usavam os calções da  monarquia.  Cerca de 40 mil pessoas são executadas, em curto período, sendo a maioria  de deputados Girondinos. Há também ricos burgueses e nobres. É o quê o grande estudioso Albert Soboul, chama de Despotismo da Liberdade. Só para assinalar, conheci, sem querer seu túmulo, simples, no Cemitério de Père Lachaise. onde também estão os despojos de Chopin, Alfred de Musset, e de meu querido amigo Hippolyte Léon Denizard Rivall, conhecido como Alan Kardec, por ter sido em outra encarnação um druida gaulês.

Mas, enfim, o quê nos interessa agora, é esta época sombria, em que cabeças de inimigos e amigos rolaram. Segundo diz um de seus maiores biógrafos, o esloveno Slovoj Zozek:"A imagem que se formou de Robespierre - um dos principais ideólogos da Revolução Francesa- é a de um homem polido que escondia uma cruel e gélida determinação. Todos concordam, contudo que ele foi um político integro e se dedicou totalmente à causa da Revolução."  Justamente por isso, era chamado L'incorruptible. É interessante notar que a princípio, teria sido contra a pena de morte. Vivia, absolutamente, de acordo com as suas convicções. Ao contrário de Danton, que havia se envolvido em negócios escusos. Danton, advogado brilhante, seguramente mais inteligente do que Robespierre. Preso por conspiração, tornou-se quase impossível julgá-lo. Fouquier-Tinville, advogado incumbido de condenar não sabe mais o quê fazer. Assinalando que, uma vez tomado o poder, Fouquier-Tinville foi mandado para a guilhotina pelos Girondinos.

Durante o Terror,  hospitais, escolas, tudo era esvaziado para receber novos presos, ou novos condenados. A lista esta lida na véspera. Cortou-se toda comunicação com o mundo exterior. O famigerado "Comitê de Salut Publique" ultrapassou qualquer limite. Somente Robespierre tinha real noção do que poderia acontecer. E seus embates com os radicais eram frequentes. Banqueiros como os irmãos Frey foram mandados para a guilhotina, o quê era muito perigoso. A própria execução de Danton, poderia levar contra eles o grande capital da época. Danton, o jornalista Camille Desmoulin, Hérault de Sechelles, Philippeaux (um humilde "sans culotte"),   Basire, todos deputados, são condenados à guilhotina. Todos fazem parte do grupo chamado de "Indulgentes", aqueles que sabiam que era necessário acabar com a carnificina. A carroça que os conduz à guilhotina é povoada por pessoas que mal se conhecem , que cultivam ideias muitas vezes diferentes. Mas todas acusadas de querer destruir a Convenção e restabelecer a Monarquia. No momento em que passa diante da residência de Robespierre, Danton grita com sua voz tonitruante : "Robespierre tu me seguirás!" Ele sabia o que dizia, da mesma forma que Robespierre também o sabia.     

E exatamente três meses depois, durante a madrugada, a sala do Comitê de Salut publique é invadida por tropas ordenadas por Girondinos, ou deputados exaustos dos intermináveis banhos de sangue. Alguns tentam escapar, um se joga pela janela, e Robespierre tenta o suicídio, atingindo o maxilar. Sangra intensamente, e ,segundo os guardas, urra de dor. Ao amanhecer, todos são levados à guilhotina. Alguns são deputados, dentre eles destaca-se o belo jovem , Saint-Just, deputado, talvez, o mais fanático. Um retrato seu no Museu Carnavalet, da cidade de Paris, mostra um belo rosto quase juvenil. Durante o trajeto, a multidão se acumula e janelas e sacadas são alugadas para o espetáculo. A perseguição aos seguidores prossegue durante vários dias.

E assim, termina o Terror, ao qual segue o chamado Diretório, seguido do Consulado, tendo como Consul um genial jovem militar, nascido na Córsega. Até que se faz Imperador, ele próprio coroando-se, e à  sua esposa, Josefina, deixando para trás o Papa. Sobe ao trono Napoleão I.

Interessante notar que me lembro de meu pai dizer que Saint-Just havia sido seu ídolo de juventude. E lendo a escritora  belgo-americana,  Margherite Youcenar, em um livro que muito me impressionou, chamado "Souvenirs Pieux", ela diz a mesma coisa. Margherite e meu pai nasceram no mesmo ano, e às vezes me pergunto se esta geração não terá amado seu idealismo, ainda que fanático, mas sincero.

Sem resposta!!!

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