QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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segunda-feira, 10 de dezembro de 2007

Morte na aurora

ARACY E MARIA

Tudo na vida tem princípio, meio e fim, inclusive ela própria. Disso todos sabemos. Mas há algumas que, de tão curtas que são, parecem ter suprimido o “meio”. São vidas nem ainda começadas e já terminadas. Lembro-me de “A peste” de Camus, onde o absurdo da vida e da morte é mostrado de forma tão dramática, sendo as mortes de jovens e crianças as mais absurdas das absurdas, ocorridas aos montes.
Minha tia Aracy morreu jovem, muito jovem. Tinha quinze ou dezesseis anos. Naqueles longínquos anos 20, quando tanta patologia ainda não havia sido diagnosticada, dizia-se que tinha temperamento difícil. Na realidade, pela descrição que dela fazia minha mãe, sua irmã, Aracy sofria de distúrbio bipolar, alternando momentos de euforia à extrema depressão. Numa de suas crises, suicidou-se. Já havia tentado antes. A família ocultou o suicídio, evitando que seu corpo fosse impedido, pela Igreja Católica, de ser enterrado em “campo santo”.
Também minha tia Maria, irmã de meu pai, morreu na aurora, ainda mais jovem do que Aracy. Tinha 12 anos. Foi vítima da peste bubônica. O ano era 1922. Supõe-se que um navio, atracado no porto do Guaíba, tenha trazido os primeiros ratos infectados. Logo as pulgas se espalharam pela cidade, onde não se cogitava de higiene publica. Governado por Borges de Medeiros, o Rio Grande do Sul era um Estado atrasado, à mercê de uma equipe de ignorantes que se dizia Positivistas. Maria morreu e logo foi seguida por sua melhor amiga, criança como ela. E tantos outros morreram!Velhos, jovens, crianças. Minha mãe contava-me o que foram aqueles tempos de medo, em que perdeu alguns de seus melhores amigos.
Tenho sobre minha mesa de trabalho, uma bela foto de Aracy. Tem a cabeça ligeiramente inclinada, com uma coroa de flores. Uma blusa drapeada deixa a mostra parte do colo e ombros. É linda, mas o que impressiona é o olhar, cheio de melancolia. Linda, mas muito triste. A foto foi tomada pouco antes de sua morte. Aracy é uma companheira que não conheci, mas que sempre esteve presente em minha vida. De Maria só tenho uma foto ainda neném. Sorridente, alegre, como diziam ser os que a conheceram. Deixou em todos a saudade de seu riso, de suas brincadeiras e traquinagens.
Aracy e Maria são para mim as mais claras representações do que há de absurdo, de incompreensível, na vida, e na morte. Aracy e Maria mal haviam começado e já partiram. Viveram o que vive uma rosa. Mas deixaram por aqui o perfume de sua presença. É assim que eu, mais de oitenta anos depois, falo delas e procuro transmitir a emoção que sempre despertaram em mim.

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