QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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quarta-feira, 27 de fevereiro de 2008

O sonho não acabou - 1

Fiquei curiosa. A propaganda dizia que se tratava de uma mini-série que enfocava o reencontro de velhos amigos, que haviam vivido sua juventude nos anos 70. Pareceu-me uma homenagem ao quadragésimo aniversário dos “68”, aquele ano que se estendeu tão além do seu fim cronológico. Interessei-me. Anos 70 trazem para mim um certo sabor de nostalgia, de ternura, de alguma coisa que deveria ter sido e não foi. Anos 70 foram os mais duros da ditadura. Mas havia tanta esperança! Nossa geração foi aquela que sonhou, que derrubou velhos tabus, que não se curvou a imposições de um tempo que sabíamos que estava terminando.
Como na obra de ficção, eu também gostava de me vestir meio ao estilo hippie. Era bem jovem, e tudo me parecia feito sob medida para mim. Fazíamos da moda uma forma de negação daquilo em que não mais acreditávamos. Lembro-me do desconsolo de minha mãe, quando vim visitá-la pela primeira vez. Ficou realmente espantada com meu pretenso “desleixo”, na verdade mais do que estudado. E meus amigos eram todos mais ou menos como eu. Meus dois namorados mais significativos daquela época, Robert e Miguel, um francês e outro argentino, eram marxistas. Eu não era nada, não tinha nenhuma formação teórica, mas acreditava, sinceramente, que o mundo poderia ser melhor. Aos sábados, freqüentávamos bares, onde se reunia a esquerda de Porto Alegre, cidade então considerada altamente “subversiva”. Lembro-me de um, freqüentado pela esquerda mais radical, que os gorilas deixavam em paz, certos de que dali não sairia nenhuma ameaça. Eram revolucionários sonhadores, teóricos, vestidos “à la Che”, ainda fixados na comovente imagem do herói morto. De nosso grupo, lembro-me do professor de Literatura, como Robert, que nos fez algumas palestras, não me lembro mais sobre o quê. Há algum tempo reencontrei-o no lançamento de um livro seu em Porto Alegre. Comprei-o. Não fala de marxismo, mas de uma pesquisa que fez na Terra Santa sobre a real existência de Jesus. Afinal, conclui que Cristo realmente existiu. Bela pesquisa. Mas não fala de fé. E também havia um crítico de cinema, um baterista, um teuto-brasileiro de uma família de pastores luteranos, rebelado contra tudo. E ainda uma ou duas pedagogas. E também minha prima Maria Helena, trabalhadora social, e seu belo namorado, Etienne, economista. E sem esquecer Miguel, o argentino, engenheiro trabalhando em projeto de revitalização do Guaíba. Projeto, aliás, que ainda se arrasta, sem nada de efetivo.
Hoje, passados tantos anos, perdi muitos de vista. Robert, radicalíssimo naqueles tempos, é hoje um senhor elegante, que viaja sempre acompanhado da mulher. Encontro-o em Congressos, conversamos, mas jamais tocamos no passado. Miguel casou-se, teve um filho, divorciou-se. Nunca mais tornei a vê-lo. Ambos, Robert e Miguel, continuam em Porto Alegre, são professores da URGS – Federal do Rio Grande do Sul-, naturalizados brasileiros. Ivo, aquele da família de pastores, tornou-se um importante membro da comunidade luterana do Rio Grande do Sul. Algum tempo atrás o vi sendo entrevistado na televisão. Disseram-me, não me lembro quem, que o crítico de cinema mudou-se para a Alemanha. Minha prima Maria Helena voltou para Florianópolis, trabalhou durante anos numa secretaria de cunho social do governo estadual, e aposentou-se. Casou-se com Etienne, que morreu jovem. Ela continua trabalhando em obras sociais. É a única com quem mantenho contato permanente e talvez igualmente a única que ainda acredita na utopia. Dos demais nunca mais tive notícias.
Confesso que a mini-série despertou alguma coisa que estava dormindo lá no fundo de mim. Não sei se é a nostalgia de um tempo que, apesar de ter sido duro, alimentou nossas utopias, nos fez sonhar, o que tornava melhores, mais generosos. Ou quem sabe, seja a consciência de que, por lindo e generoso que fosse, tudo se foi e, a mim, só restou o amargo gosto da decepção. Gostaria de poder conversar com cada um deles, perguntar-lhes como vêem aqueles tempos, que julgamento fazem, e se ainda acreditam naquilo que, com tanta emoção, nos mobilizava. Gostaria de repetir Gabeira e dizer que o sonho não acabou, e que nós é que sonhamos o sonho errado.

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