QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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quarta-feira, 6 de agosto de 2008

“La p... respectueuse”

Sartre certamente não se inspirou nela. Sua peça é bem antiga, ainda que a p... a que me refiro também seja antiga. Aliás, muito mais do que a obra de Sartre, que, se não me engano, data de 1947.
A p... a que me refiro não é francesa, certamente nunca saiu do Brasil. Não é famosa, e tenho certeza de que jamais freqüentou uma sala de teatro. Nunca ouviu falar de Jean-Paul Sartre. E sua história, real, não tem nada a ver com a peça. A p... a que me refiro é uma velhinha, toda vestida de preto, tênis brancos, como seus cabelos, puxados para trás num coque desajeitado. O rosto é marcado por rugas profundas, as faces encovadas, a boca murcha, os lábios quase invisíveis, denunciando total, ou quase total falta de dentes. Nossa p... brasileira não pode andar rápido, já que lhe falta o ar.
Ao vê-la transitar pela praça, durante o dia, caso nos passe pela cabeça alguma associação, podemos pensar numa vovó que se dirige para casa a fim de preparar o almoço da família. Se for à noite, ficaremos surpreendidos ao vê-la sozinha em lugar ermo e perigoso. Chama-se “Rosinha”, ou “Dona Rosinha”, nome de guerra que assumiu desde os 17 anos, ao tornar-se prostituta. Era o ano de 1953. Ou seja, está nas ruas há cinqüenta e cinco anos! Nossa p... não é “respectueuse”, é uma pobre mulher, gasta pela vida, e, provavelmente, pela sua falta de inteligência. Conta ao repórter que a entrevistou que durante algum tempo foi faxineira e abandonou a vida “fácil”. Mas voltou. Talvez por ganhar mais. Diz serenamente que faz programas por necessidade. “Dona Rosinha” não tem nada, jamais terá aposentadoria, vive num casebre com uma cadelinha vira-lata. No meio da bagunça e sujeira, há, jogados pelo chão e atrás de arruinados móveis, velhos retratos de família amarelecidos pelo tempo, retratos de uma família que provavelmente nem existe mais. Ou se ainda existe, já a esqueceu há muito. Só Deus como acabará seus dias.
Tranqüilamente, conta como aborda os possíveis clientes, que muitas vezes não compreendem a princípio o que ela lhes propõe. Muitos se compadecem e aceitam, pagando-lhe trinta reais. Não consigo imaginar que tipo de homem poderá manter relações sexuais com a velha senhora. Estarrece-me pensar que, durante pelo menos trinta anos, jamais lhe tenha passado pela cabeça a idéia de progredir, de aprender um ofício. Mas os tempos eram outros, e prostituta era considerada um ser inferior, criado para o pecado, sem possibilidade de redenção. Não havia programas de recolocação social, e, francamente, não sei como funcionam hoje. Dona Rosinha, a puta velha brasileira, seguramente, precederá no céu muita gente bem comportada, que bate no peito, que vai à missa ou ao culto, que tem poder. Deputados, religiosos, socialites - muitas delas caras prostitutas disfarçadas -, banqueiros, Ministros, mensaleiros, amigos do homem, e, certamente, ele próprio.
Não foi Jesus que disse aos fariseus:
“As prostitutas vos precederão no paraíso.”?

2 comentários:

Ricardo Vélez-Rodríguez disse...

Certamente, gatinha, como Jesus falava aos fariseus e demais socialites judeus, "as prostitutas vos precederão no Reino dos Céus". No nosso país do faz-de-conta, das virtudes falsas, das elites podres, esse relato é deveras comovedor. Nunca haverá bolsa-família para a pobre senhora. Nunca o Ministério ou a Sectretaria que diz zelar pelos direitos da mulher sentir-se-á mobilizado diante da dor e do sofrimento dessa pobre mulher. A sua figura é a cara da Humanidade esquecida e sofredora. Belo relato!

Ricardo Vélez-Rodríguez disse...

Certamente, gatinha, como Jesus falava aos fariseus e demais socialites judeus, "as prostitutas vos precederão no Reino dos Céus". No nosso país do faz-de-conta, das virtudes falsas, das elites podres, esse relato é deveras comovedor. Nunca haverá bolsa-família para a pobre senhora. Nunca o Ministério ou a Sectretaria que diz zelar pelos direitos da mulher sentir-se-á mobilizado diante da dor e do sofrimento dessa pobre mulher. A sua figura é a cara da Humanidade esquecida e sofredora. Belo relato!