QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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segunda-feira, 11 de agosto de 2008

A espuma dos dias

Já é chavão dizer que não há nada mais incerto do que o amanhã. O amanhã pode me trazer coisas boas ou más, ótimas ou péssimas: ganho na Loteria, recebo uma linda declaração de amor, sou vítima de bala perdida, descubro que tenho um câncer, perco inesperadamente um ente querido, sou chamada pela Receita Federal. A incerteza do amanhã, de cada momento além deste fiozinho invisível do presente, chama-se vida. É não conhecermos o amanhã que nos impulsiona, ainda que isto possa parecer absurdo. É como na novela das nove, onde, uma vez que já se sabe quem é a assassina, espera-se, sem poder saber de antemão, o desenrolar do drama. E é o não-saber que torna tudo interessante. Como na vida, onde, é claro, não podemos esquecer a variável fundamental da liberdade humana.
Não sei o que me acontecerá dentro de poucos minutos: saio com minha cadelinha e um carro em alta velocidade nos atropela e nos leva para o outro mundo, eu abraçadinha a ela, toda trêmula. E se, como estou pensando em coar um cafezinho, o gás explode, ou deixo cair a cafeteira e provoco queimaduras? Minha mão pode tremer, uma barata passar, e a água fervente cair impiedosamente sobre mim. Enquanto falo, aquele fiozinho de presente já se transformou em passado, e este novo presente imediatamente será um passado. Mas afinal, se o presente é tão fugaz e o futuro é uma incógnita, o que nos resta?
A constatação da fascinante incerteza do amanhã, e da quase invisibilidade do presente, a única que me assegura alguma coisa de “palpável”, aprendi com a vida. Resolvi falar dela, quando a morte de uma amiga me trouxe a lembrança de velhos tempos, de imagens antigas quase esquecidas, ainda que seus protagonistas estejam para sempre presentes na minha história. Reuníamos, uma vez por semana, para um lanche noturno, na casa de minha irmã, Teresa. Éramos quatro mulheres de idades bem diferentes, e eu era a mais jovem. Minha mãe, minha irmã, e a amiga de quem falei há pouco. Por vezes, meu cunhado aparecia para tomar um cafezinho de boca-de-pito. Conversamos até lá pelas dez. Em casa, minha mãe e eu encontrávamos invariavelmente meu pai e meu irmão. Havia, na chegada, recriminações de meu pai, e uma invariável lamúria de minha mãe, o que fazia seu jeito de ser. Mas se entendiam bem, lá do jeito deles. Este era um presente meio chato por vezes, mas que me parecia sólido, quase permanente. O que não percebi é que, a cada dia, pouco a pouco, coisas foram acontecendo, e tudo foi se transformando. Teresa mudou-se. Meu pai acusou doença cardíaca, mudei-me para meu apartamento, ele piorou, trouxe-o para junto de mim. Nossas relações se inverteram e passei trata-lo como filho. Morreu. Pouco tempo depois, minha mãe fez uma queda, caiu em depressão, passou na cama seis anos. Virou minha filha. E morreu. Morreu meu irmão Sérgio, sem que tivéssemos tempo de nos dar conta de que estava doente. Foram algumas horas. Também morreu meu cunhado, inesperadamente. Morreu Teresa, vítima de um câncer, logo ela que sempre pareceu ter saúde perfeita. E agora se foi a amiga Cecília, de quem, malgrado eu, estava afastada há bastante tempo. Tomando um cafezinho entre duas aulas, encontrei Ricardo e, finalmente, conheci o verdadeiro amor. Dia a dia, a vida foi se transformando, até que daquele tempo só sobraram eu e minhas recordações. E até estas já estavam quase esquecidas. Este “amanhã”, que vivo hoje, daquele “presente” antigo é tão inesperado quanto o desenrolar da novela das nove.
Mas, como tenho dito, a vida me ensinou muita, muita coisa, e uma das mais importantes é saber alargar a fugacidade do presente, por pelo menos vinte e quatro horas, e se não houver um grande incêndio a vista, aproveitar ao máximo esta dádiva divina. Afinal, como será o amanhã?
Isto é saber ser feliz.

2 comentários:

Ricardo Vélez-Rodríguez disse...

Querida, Adorei o teu comentário, com certeza o mais metafísico de todos os que tens escrito! Vida/morte/instante mas, essencialmente, amor, são os fios que vão tecendo esse belo pano que desfraldas aos poucos, no teu blog. Vai, como nota que ecoa a música que entoas nas tuas páginas, um pequeno poema que te escrevi há vários anos, em setembro de 95:

- Mediodía -

[Nel mezzo del cammin di nostra vita / Mi ritrovai per una selva oscura / Chè la diritta via era smarrita - A la mitad del camino de nuestra vida / Me encontré en una selva obscura / Porque había perdido la buena senda - Dante Alighieri - La Divina Comedia, Canto 1].

Llegaste al mediodía
Hada de mis ensueños
Para que, juntos, vivamos
Tardes luminosas...
Beatrice/Maria Lúcia
Eres mi guía
En la selva obscura de los afanes
Y de las tareas inacabanadas.

Nazaré Laroca disse...

Querida amiga, este seu texto tem um encanto especial porque fala do tempo esse mistério que nos desafia a cada ...instante...
A nossa única certeza é a incerteza,ou a impermanência: o fascínio da próxima descoberta.
Carpe diem!
Beijos e a admiração de sua amiga Nazaré