QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



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segunda-feira, 11 de dezembro de 2023

 O Segundo |Império e  o Barão Haussmann

Conta-se que no século 14, tendo uma carroça removido o lixo acumulado nas ruas de  Paris , o rei Felipe Augusto, atingido pelo mal cheiro, desmaiou. Verdade ou não, Paris era um esgoto , uma lixeira a céu aberto. Há um poemeto  de um poeta francês , que , infelizmente , não encontrei , onde conta as desventuras daqueles que atravessam as ruas de Paris. Na verdade, nunca uma cidade sofreu tamanha transformação em tão pouco espaço de tempo. E é sobre isto que pretendo discorrer .

Depois de aventuras rocambolescas fora da França,  Luís Napoleão Bonaparte, mal conhecia Paris, segundo conta um de seus maiores desafetos, Victor Hugo, que o havia apoiado antes do golpe. É preciso notar que duas revoltas populares haviam eclodido , uma em 1830, que inspirou ao romancista, teatrólogo  e poeta, seu magnifico romance  "Os Miseráveis" , havendo derrubado a família Bourbon, do que se chamou Restauração e  outra em 1848 , que derrubou o chamado Rei Burguês , Luís Felipe, de outra  família nobre, Orléans prima da primeira. A estratégia dos insurretos eram as barricadas que se  erguiam nos becos estreitos da cidade, e que impediam a passagem das forças militares. E com esta estratégia perigosa era preciso acabar. 

Já algumas tentativas de saneamento da cidade haviam sido feitas , mas era preciso muito mais .  Rambuteau , cujo prenome me escapa , eleito prefeito em 1833, sob Luís Felipe, já se preocupava com os seríssimos problemas de saneamento , sobretudo no centro da cidade, e que atingia seriamente  a população laboriosa. Rambuteau é hoje uma estação de metro e uma rua . E sem esquecer o prefeito  Poubelle , que exigiu que o lixo fosse depositado em latas, e não jogado diretamente na rua. E  seu nome significa hoje em francês "lata de  lixo" . Mas , apesar da preocupação de  Luís  Felipe, a cidade continuava imunda e uma epidemia de  cólera explode em 1832  matando impiedosamente a população mais pobre. E ainda convém citar outros precursores como Hippolyte Meynard , cujo projeto urbanístico pode ser considerado precursor daquele de Haussmann . 

Havia duas preocupações no grande projeto de Haussmann; impedir as barricadas e sanear o centro imundo da cidade. Ruas que eram verdadeiros becos  asquerosos, onde o sol jamais penetrava. Antigas habitações de nobres arruinados ou exilados eram elevadas pelo acréscimo de andares superiores, usando material  vindo de demolições, e que se  acrescentavam ao acaso. A classe média se afastava do centro e preferia morar  na Rive Gauche. O poeta Restif de la Bretonne, a propósito da largura das ruas, explica que "duas pessoas não podem passar a  não ser que se abracem. "  Nas moradias mais pobres , sem haver banheiros suficientes , as fezes se acumulam e descem pelas  escadas, provocando terrível mal cheiro e sérios problemas aos moradores que pretendam chegar à rua. Nos becos imundos e sombrios , abunda a prostituição, único meio de sobrevivência. Com aluguéis inacessíveis, explorados pelo que se chamava de "vautour" (abutre) muitas vezes os cômodos alugados  por hora, representem a melhor descrição da miséria absoluta. Tal é a descrição que nos oferece um jornalista ao visitar um deles. "É inacreditável! Numa grande cama imunda , se acomodam adultos e crianças, igualmente imundos. O cheiro é de tal forma repugnante, que não há forma de suportá-lo mais  do que alguns minutos."

É pois, este ambiente repulsivo,   esta cidade  medieval, onde vive uma parte da população , que  Haussmann deve transformar na bela Paris de hoje . E para isto não há obstáculo que o impeça. Seus críticos , a começar por Victor Hugo , chamam a atenção por sua obsessão pela linha reta. E ele não hesita em demolir seu próprio palacete , que obstruía  seu projeto. Traça avenidas largas e demoli o que estiver pela frente , havendo mesmo um mal entendido com o Imperador. Prolonga a rue de Rivoli, começada por Napoleão I indo até o Louvre. Traça, senão todas, grande parte das avenidas da Place de l'Etoile. Nesta época surgem os Grands Magasins , como "Au Bon Marché " , creio que o mais antigo . Les Magasins Réunis" , " Le grand Magasin Du Louvre", que conheci, quando criança, e onde ganhei  não me lembro o quê ,  na Rue de Rivoli, desaparecido no fim da década de 70 ou ínicio de 80. O último foi "Les Galeries Lafayette", surgida já na 3a. República , lá por 1913, com sua magnifica cúpula Art Nouveau. E sem esquecer "Le Printemps" . As vendedoras destes grandes "magasins" eram obrigadas a ficar de pé cerca de 14 horas  e como isto acontecia antes das leis trabalhistas , não havendo férias, levavam uma vida miserável. Além de serem mal pagas. Mas, evidentemente, havia uma burguesia "aisée" que frequentava este lugares.

E a classe operária expulsa do centro , que agora trabalhava na construção da nova Paris? Havia se transferido para a periferia . Segundo conta um desses trabalhadores , devia se levantar às 4 horas , andar 2 horas para chegar às 6 ao local de trabalho, e  às 18 horas fazer  trajeto oposto , para recomeçar tudo no dia seguinte, Não consegui saber quantos dias por semana. Tudo isto sem férias! As reformas trabalhistas surgiram já no fim dos anos 30 , mais precisamente durante o chamado Front Populaire, pouco antes da eclosão da Segunda Guerra Mundial.  Uma canção dos anos 40, cantada pelo grande ator, e por vezes cantor,    Jean Gabin, conta que os operários não sabiam o quê fazer deste novo tempo ocioso. 

Mas sob o II Império, havia também os "chiffoniers", que corresponde a nossos catadores de lixo e que , ao fim de cada jornada, levavam para casa o material recolhido que era separado até o amanhecer. Os longos fios cabelos , que se amontoavam no lixo , eram cuidadosamente separados para fazer perucas. E enquanto isto a cidade se expandia , construindo este Paris que hoje conhecemos. Valeu  a pena ? Penso que sim, mas as custas de um enorme sacrifício do povo miserável. 

Há ainda muito a contar sobre a grande urbanização de Haussmann, e a vida da população durante o II Império, mas as fotos podem contar estas histórias. Qualquer dia volto a falar destes dois personagens, Barão de Haussmann , um protestante sisudo e o aventureiro debochado, Luís Napoleão Bonaparte. Como disse um Hervé Maneglier , estudioso do II Império, nunca se poderia imaginar que duas pessoas  tão opostas pudessem dar nascimento a uma cidade tão excepcional .

E como diz Maurice Chevalier, numa de suas mais belas canções : "Paris sera toujours Paris, La plus belle ville du monde ! "























































































































































































































































































































































































































































































 

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