QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



Seguidores

quarta-feira, 17 de janeiro de 2024

  Feminismo através dos tempos

""Este sexo envenenou nosso primeiro pai, que era também o seu marido e pai, estrangulou João Baptista, entregou o corajoso Sansão à morte. De uma  certa maneira,  também, matou o Salvador, porque, se a sua falta não o tivesse exigido, o nosso Salvador não teria necessidade de morrer. Desgraçado sexo em que não há nem temor, nem bondade, nem amizade e que é mais de temer quando amado do que quando é odiado." Godofredo de Vandoma por volta de 1095.""

"No século X, Odão de Cluny (+942), retomando as advertências de João Crisóstomo (+407)contra Eva, inspirava aos seus monges os mesmos temores salutares: " A beleza do corpo não reside senão na pele.  Com efeito, se os homens vissem o que está debaixo da pele,  a vista das mulheres dar-lhes-ia náuseas...Então, quando nem mesmo com a ponta dos dedos suportamos tocar um escarro ou um excremento, como  podemos desejar abraçar esse saco de excremento?" "

Trechos extraídos de "História das Mulheres- A Idade Média"

Georges Duby e Michele Perrot 

Daí pode-se ver o quê pensavam o religiosos na Alta Idade Média. Assim, falavam aqueles que se diziam seguidores de Cristo. Daquele Cristo que andava com as prostitutas, mendigos e ladrões. Enfim, todos os excluídos. Que terrível deformação da mensagem do Messias!

Vagarosamente, no começo da Baixa Idade Média, tudo começa a  mudar.  Há alguns anos, comprei na  França um livro de uma historiadora, Régine Pernoud, que me encantou de tal modo de não parei de lê-lo até terminar. O título: "Alienor D´Aquitaine". Rainha de  dois países diferentes, governou um ducado em seu próprio nome, foi mãe de dois reis famosos e participou de uma Cruzada. Nasceu, supõem-se, em 1122, primeira filha do Duque de Aquitânia. Hoje a Aquitânia é uma região ao Sudoeste, mas na época era um país independente, ainda que vassalo do rei da França.  Em 1137, no dia 25 de julho, aos 15 anos, Alienor casa-se com o herdeiro do Rei da França, Luís VII. Cerimonia grandiosa, com o povo aglomerado até o espaço onde se encontram dois tronos. Conta-se que era uma linda mulher, de cabelos ruivos, de uma fantástica personalidade, e grande cultura, conforme os padrões da época. Ao contrário do marido, que mais parecia um garotão.

Somente bastante  depois, o casal tem uma filha, a quem chamam de Maria. Mas a rainha era inquieta e com o marido "toma a cruz" o significava participar da luta contra os sarracenos que haviam invadido a Terra Santa. Este movimento resulta  em enorme fracasso, e um culpa o outro. Aí as coisas pioram entre os dois e cogitam de pedir a anulação do casamento, o que o Papa rejeita. Alienor engravida novamente, e dá à luz a uma menina, Alice. Como o reinado exigia um varão, o Papa, finalmente concorda em anular o casamento. A notar que, oito semanas depois da anulação de seu primeiro casamento, ela casa-se com Henrique II, rei da Inglaterra, seu verdadeiro amor. Henrique e Alienor tiveram ao todo oito filhos , dentre os quais se encontra o conhecido Ricardo Coração de Leão. Mas, apesar da paixão, as brigas eram frequentes, por questões políticas sobretudo

Por quê incluir esta mulher como, talvez,  a primeira feminista? Ela foi a mulher audaciosa que não teve medo de participar de uma Cruzada, nem se submeteu às convenções ao  casar-se com aquele que considerava seu grande amor, foi uma grande estrategista, foi audaciosa mantendo a qualquer preço seu Reinado da Aquitânia. Há  vários anos atrás, fui a Fontevraud, na Vallée de la Loire, convento onde ela, já idosa, se refugiou. Lembro-me de seu túmulo e de seu marido e acho que o de Ricardo. Ouvia-se pelos corredores, com arcos que davam sobre o jardim, bem ao estilo medieval, o som de um órgão, procuramos e achamos um organista, que nos vendeu um CD. Tentarei postar a foto de  seu túmulo. 

Outras mulheres, valentes e independentes surgiram posteriormente, e até antes, mas o quê me fascina nesta mulher é sua luta para manter aquilo que considerava seu, a sua coragem em viver um grande amor. Numa época em que as mulheres ainda eram desprezadas como filhas de Eva, aquela que fizera a traição da serpente e levara o homem a ser expulso do paraíso. Mulheres duplamente pecadoras, por terem duas zonas erógenas. Como diz o historiador George Duby, em sua magnifica obra "Dames du XIIe.  Eve et le prêtres".  "O quê é o corpo da esposa? Um objeto, uma espécie de feudo análogo àqueles bens  que o senhor concede a seus vassalos sob certas condições , uma  terra a laborar e semear." Enfim, pode-se imaginar o quê poderia ser esta sociedade se, ainda no século XXI, vivemos um patriarcado em que, muitas vezes, o macho manda e a mulher obedece. 

Mas, agora, vamos dar um enorme salto na História , para falar de uma grande filósofa e feminista; Simone Signoret, eterna companheira de Jean- Paul Sartre. Dentre suas obras, talvez a que mais me influenciou foi "Le Deuxième Sexe" , que ainda bem jovem li avidamente. Foi-me indicada por um companheiro francês, meu professor na URGS, como um aprendizado do "ser mulher". Hoje relendo-o, acho-o importante como uma introdução à emancipação feminina, mas alguns aspectos me parecem exagerados, como ela pretendia que fossem para o ano de 1947, quando foi publicado. Deveria ser uma verdadeira explosão! A tal ponto que o  grande Albert Camus declarou que ela havia desmoralizado o macho francês. Mas há coisas interessantes, ela comenta o fato de que as fábricas, os escritórios e até as faculdades estão abertas às mulheres. "...mas continua-se a considerar que o casamento é para elas uma das carreiras mais honrosas, que as dispensa de qualquer outra participação à vida coletiva." O resultado é que elas são menos especializadas, e menos preocupadas na sua profissão. E fala ainda do mito de Cinderela que só encontra salvação no seu Príncipe Encantado. Lembro-me de que, os cursos que preparavam professoras na Faculdade eram chamados "espera marido". Os homens deviam seguir profissões em que ganhavam mais do que as mulheres; médicos, engenheiros, e, quem sabe, até economistas. Uma colega chegou a fazer uma exposição de enxoval! A mulher que não se casava era chamada pejorativamente de "solteirona".

Mas, se para Simone "não se nasce mulher, faz-se mulher" e a única diferença entre um homem e uma mulher é a genitália, surge, em meados dos anos 60 ou 70,  um jovem filósofo, chamado Gilles Lipovetskky, que coloca este princípio absolutista em questão. Seu principal livro "La troisième femme. Permanence et révoltion du féminin." causa grande celeuma entre as feministas radicais, como a falecida Rose Marie Muraro, mulher admirável, que nasceu quase cega e conseguiu vencer barreiras que pareciam intransponíveis. O  filósofo afirma que muito mudou, mas que, infelizmente, muita coisa permanece. E ainda que há grandes diferenças, além da genitália entre homens e mulheres. São pormenorizadas estas diferenças, e não cabem no espaço de meu texto. Em certo capítulo, lembra o "belo sexo", que, apesar de todos os avanços, continua sendo uma inexpugnável barreira das velhas convicções. Lembro-me de uma de uma amiga que dizia: "se uma mulher não casou é porque ninguém a escolheu e se ninguém a escolheu é porque ela deve ter algum problema, é inferior às outras." Ou seja, para casar, a mulher não pode ter defeitos, e o pior, ela jamais escolhe, é escolhida. Seu livre-arbítrio é nulo!!!

Até a Primeira Guerra, o mito de beleza restringia-se a uma certa parte da sociedade. Ou seja, era propriedade da elite. No meio rural, não tinha a menor importância, e podia até ser mal vista, já que a poderia distanciá-la do labor. Após, com a invenção do cinema,  a visão das primeiras estrelas, daquele mundo feérico da beleza, as coisas começam rapidamente a mudar. Lembro de minha mãe, que contava que ela, e minha tia Aracy, faziam álbuns com retratos de artistas que recortavam de revistas. E procuravam imitar as que achavam mais belas. Por sorte, eram ambas bonitas. Isto acontecia nos anos 20. "O consumo cosmético aumenta moderadamente até a Grande Guerra  e acelera-se nos anos 20 e trinta e 30. O batom conhece um grande sucesso a partir de 1918; os óleos solares e esmalte provocam furor nos anos 30". Minha mãe contava que, sem recursos, colocava na água papel crepom vermelho e com a tinta pintava seus lábios carnudos, tão em moda hoje.  

Tinturas de cabelo, cremes para o rosto, para o corpo, cremes de todos os tipos. Para quem quer cabelos lisos, há as famosas escovas inteligentes, que incluem nutrientes (veganas, de leite, etc) e que substiuem as toucas de minha  juventude. Com a nova tecnologia, não precisamos mais correr para casa ao menor sinal de uma nuvem. Novos tipos de profissionais como, esteticistas, massagistas, manicures, abundam. Os procedimentos estéticos, como botox e preenchimentos são agora praticados até por dentistas. E para ser justa, homens fazem reflexos, pinçam as sobrancelhas e até lhes fazem desenhos geométricos, como João, filho de minha sobrinha, Alice. E isto não põe em dúvida a sua masculinidade. E este é o lado bom, que , infelizmente, só existe nas novas gerações.  

A beleza da esbeltez, do corpo perfeito (nem sempre conseguido, já que provém de uma certa estrutura corporal), tudo faz da mulher não mais a descendente maldita de Eva, mas  certamente escrava da eterna beleza e da eterna juventude. É verdade que muita coisa mudou nos últimos 10 ou 20 anos. Desde que o livro de Lipovetsky foi editado na França, em 1997.  Mas muita coisa permanece igual. No entanto, não podemos esquecer as mulheres em igualdade de posição com homens: professoras, médicas, advogadas, dentistas.

Estamos num momento em que tudo pode valer, desde a beleza erigida durante a Renascença, pelos grandes mestres, até a célebre Garota de Ipanema,  Helô Pinheiro , que diz sem problemas a sua idade,  festeja alegremente seus 80 anos, e faz propaganda de aparelho para surdez! O quê seria impossível de imaginar há poucos anos. Surdez é coisa de velho! 

E assim, la nave va!!!  

Não posso deixar de mencionar duas professoras de francês ,Regina Paschoalino e Sylea Souza,  que comigo se reuniam todas as quintas- feiras para estudar a fundo a Idade Média (Alta e Baixa) e a Renascença. Conquistamos um grande conhecimento destas duas fases da História do mundo ocidental, em que uma faz renascer valores tão importantes esquecidos pela anterior. Teríamos continuado se acontecimentos em nossas vidas não nos tivesse tirado de rota. 

Nenhum comentário: