QUEM SOU EU

Sou professora de Francês, mas hoje minha principal atividade é escrever e ler, além de cuidar dos meus três vira-latas: Charmoso, Príncipe e Luther.



Gosto de fazer ginástica, sou vegetariana e adoro animais em geral, menos baratas.



Sinto especial prazer quando meus textos agradam aos meus leitores. Espero continuar produzindo e me comunicando com todos os meus amigos, neste maravilhoso universo da net.



Seguidores

sexta-feira, 10 de agosto de 2007

ANOS DE SEDA

Para Zaida


Lembro-me bem dos “Anos de chumbo”, fazem parte de minha história. “Anos dourados” percorrem minha infância e início da adolescência. Anos de seda, estes não vivi. Mas gostaria de tê-los vivido, eram ainda mais lindos que os dourados. Afinal, o que foram estes “Anos de seda”? Penso neles com especial carinho, olho suas fotos, amarelecidas nos álbuns da família, admiro as mulheres, os vestidos, os homens sedutores, como não se vê mais. Foram os anos de juventude de meus velhos afetos, como os “Anos Dourados” enfeitaram a juventude de meus irmãos. Os de chumbo, infelizmente, marcaram minha geração.
Anos 20 foram os “Anos Loucos”, dos cabelos e vestidos curtos, do charleston, da liberação da mulher de velhos tabus herdados do século anterior. Eram os anos de “revolta”. Foi então, no início dos anos 30, que no mundo que ditava a moda, descobriu-se uma nova fórmula, ou uma nova estratégia. O cinema, já falado, despejou pelas telas sua imagem carregada de sedução. E os astros e estrelas encheram de fantasia a imaginação de mulheres, ávidas por viverem aqueles intensos amores. Até os homens se deixavam enredar nesta trama urdida com sedas, plumas, olhares lânguidos. Os ambientes eram acetinados, havia cortinas brilhantes, espelhos emoldurados de arabescos, colchas que faziam nascer o desejo de enroscar-se, de acariciar e ser acariciada, de amar e ser amada. Tudo numa cor meio acinzentada, meio azulada, que caracteriza os filmes daquela década.
Podem criticar-me, afinal nestes anos, justamente, fortalecia-se o Nazismo, com a ascensão de Hitler ao poder. O Fascismo instalava-se em definitivo na Itália, e Franco sairia vencedor na Espanha. E ainda havia todas as barbaridades do camarada Stalin. Mas não é de política que quero falar. Pela primeira vez, incorro no pecado de me fazer alienada e gozar o belo, procurando esquecer o feio.
“Anos de Seda”, trazem-me a imagem de Zaida, com seus “tailleurs” impecáveis, chapéus de infinita sedução, saltos altos, sobrancelhas arqueadas, lábios carmim. Ou seus vestidos de baile, feitos de cetim, que modelavam seu corpo esguio. Ao lado, seu homem, também incrivelmente sedutor. Vendo estas velhas fotos, chego a sentir um cheirinho de perfume francês no ar. Quanta coisa Zaida me contou destes anos! Lembro-me de seu entusiasmo ao narrar-me minuciosamente a sua primeira sessão de “O Tempo e o Vento”. E também as demais, porque todas as moças e senhoras apaixonavam-se secretamente por Clark Gable e viam o filme várias vezes. Lembro-me, como se tivesse participado, de seus lanches nas elegantes casas de chá de Porto Alegre dos anos 30, ao lado de suas amigas, todas fumando, já que era tão chique e todas as estrelas tinham este mau hábito. Mas naquele tempo não se tinha consciência do perigo do tabagismo. Lembro-me do enredo de muitos outros filmes, que ouvi enlevada, há tanto tempo atrás. E não esqueci. Ainda hoje, vendo canais especializados em filmes antigos, recupero imagens que imaginei naqueles tempos que já vão longe, mas que ficaram de tal modo gravadas em minha memória que tenho a impressão de estar revendo-os. E sinto uma especial emoção. Lindos tempos, aqueles de minha tia-prima Zaida. Prima de minha mãe e de meu pai, eles próprios primos, amiga inesquecível, uma mulher especial. Talvez por não haver tido o ônus, e também a alegria, da maternidade. Conservo dois de seus chapéus, lindos! Coloco-os, por vezes, em ocasiões especiais, e além do sucesso que fazem, sinto-me um pouco transportada para aqueles tempos. Tempo de glamour, de uma certa “insouciance”, de um gozo especial da vida. Talvez, quem sabe, já antevendo o que viria justo no último ano da década, e todos os horrores da guerra.
Zaida tornou-se uma velha diferente, que gostava de bom uísque e uma cervejinha, que muitas vezes nos acompanhava nos nossos bate-papos. Gostava da vida, do amor, que viveu em toda sua intensidade. Falava de sexo sem falsos pudores, mas ainda jovem viúva ficou eternamente fiel ao seu homem. Sim, era diferente e poderia ter tido um fim de vida mais feliz. No entanto, como muitas mulheres daqueles anos sedutores, decidiu não se tornar totalmente adulta, ou não conseguiu. Eram anos de cetim, de plumas, de corpos modelados através da doçura do tecido, mas ainda era a mulher a eterna menor de idade. Ainda que fossem lindos seus “tailleurs”, seus chapéus, seus longos e lustrosos vestidos de baile. Linda época, sim era linda, mas ainda havia muito a caminhar. E na sua súbita orfandade pela morte do marido, Zaida optou errado. Mas esta história conto depois.
“Anos de Seda”, que precederam “Anos de Horror”, permanecerão para sempre na minha imaginação como o conto de fadas de minha juventude. Terminado o maravilhoso dos contos infantis, pude perpetuar um pouco em mim a magia da beleza daquilo com que sonhamos candidamente e que sabemos não existir, ou não existir mais, mas que foi tão lindo. E ainda que a tenha conhecido já velha, Zaida será para sempre na minha história e na minha imaginação a viva imagem daqueles anos de glamour de há tanto tempo.

Nenhum comentário: